Seis e Meia
Todo dia de manha às seis e meia ela vai à panificadora e compra algumas moedas de pão francês e um litro de leite integral. Cabelo quebradiço dedos de unhas mordidas e mãos de quem conheceu cedo a madeira áspera de uma enxada. Um par de velhas havaianas amarelas com um desenho da bandeira do Brasil suportam seus pés escurecidos e sujos de uma poeira vermelha.
Seu corpinho franzino de pele seca e ossos proeminentes sustenta um vestidinho de pano fino e maltratado que sua mãe lutara e vira a glória ao comprar. Um andar desconfiado e desajeitado a empurra pelo corredor limpo e bem encerado da seção de frios e massas. Escolhe os pãezinhos um a um, sempre os mais branquinhos e macios. As prateleiras parecem mundos de maravilhas com seus doces bonitos e refrigerantes de sabores desconhecidos.
Ela não se pergunta se num futuro próximo haverá um lugar desses, onde ela possa trabalhar. Não se pergunta de onde vem o trigo usado pra deixar a massa dos pães tão saborosa. Não se pergunta nem se esses pães realmente vieram da França… Ela se questiona às vezes pela noite onde estaria seu pai. Sonha com um daqueles bolos de chocolate que vê todo dia de manhã. Um bem gigante! Pra poder dividir com seus irmãos assim como divide sua cama e seu suor. Pede ao seu Deus pra não ver mais sua mãe chorando antes de dormir…
Espera alguns minutinhos na fila observando atenta as coisas que passam na TV, presa a parede. Estica-se um pouco pra alcançar o balcão do caixa e paga o café da manhã de sua família sem nunca esquecer os vinte e cinco centavos de troco. O aroma da massa ainda lhe tortura assim como tantas coisas que ela não entenderá. Volta pra casa com um passo lento e ininterrupto. Não há com o que se preocupar. Ninguém a reparou. Ninguém irá reclamar de nada. Sua mãe pode perdoar sua demora. O dono da padaria pode perdoar seus pés sujos. O mundo pode perdoar a ausência de um sorriso.
(Poeta Bastardo)