La canción y el poema

Hoy que el tiempo ya pasó,
hoy que ya pasó la vida,
hoy que me río si pienso,
hoy que olvidé aquellos días,
no sé por qué me despierto
algunas noches vacías
oyendo una voz que canta
y que, tal vez, es la mía.

Quisiera morir – ahora – de amor,
para que supieras
cómo y cuánto te quería,
quisiera morir, quisiera… de amor,
para que supieras…

Algunas noches de paz,
-si es que las hay todavía-
pasando como sin mí
por esas calles vacías,
entre la sombra acechante
y un triste olor de glicinas,
escucho una voz que canta
y que, tal vez, es la mía.

Quisiera morir -ahora- de amor,
para que supieras
cómo y cuánto te quería;
quisiera morir, quisiera… de amor,
para que supieras…

(Alfredo Zitarrosa)



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Categoria: Poesia |
| Postado em: 25.02.14

Colinas de Mississippi: Meu Epitáfio

Distantes colinas azuis, nas quais me agradei
na primavera seguinte com pés de prata e manto
do dogwood floridos, entoando o “Lover”, Pássaro Azul,
enquanto eu vou até o fim da estrada avistada.
Que esta suave boca, moldada para a chuva,
não seja, por toda dor, mas pela áurea dor,
e que estes verdes bosques sonhem aqui com o despertar-se
no meu coração quando regresse.
E regressarei! Onde está a morte
se em estas azuis e sonolentas colinas, ali no alto,
tenho eu, como uma árvore, minha raiz? Ainda que esteja morto,
este solo que me circunda e há de dar-me alento.
A árvore ferida não alberga um verde novo para chorar
os anos dourados que gastamos em comprar dor.
Que esta seja minha condenação, esquecer,
que ainda falta a primavera para agitar e quebrar o meu sonho.

(William Faulkner)



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Categoria: Poesia |
| Postado em: 23.02.14

Amar!

Imagem by Tanya Bogdosarova

Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: aqui… além…
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente…
Amar! Amar! E não amar ninguém!

Recordar? Esquecer? Indiferente!…
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!

Há uma primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!

E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder… pra me encontrar…

(Florbela Espanca)



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Categoria: Poesia |
| Postado em: 19.02.14

Último cigarro

autoria:

Depois do primeiro cigarro,
já está aberto o meu coração
A roupa já está aos farrapos
e só me resta o meu colchão

Te encontro na avenida ao lado,
perdido e com um livro na mão
Você pergunta se tem fogo
e se inicia uma conversação

Já era julho mas não chovia,
o céu escuro e a noite calada
O lápis já desapontado
e a borracha que já não servia

E já no fim desse primeiro ato,
eu recortei uma foto do jornal
Fui na cozinha e preparei café
só pra sorrir desse ato banal

Já era julho mas não chovia,
o céu escuro e a noite calada
O lápis já desapontado
e a borracha que já não servia

A minha canção já não tinha sentido
cinzeiro cheio e o som no carro
O cabelo todo bagunçado,
só me restou um último cigarro…

(Watermeland)



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Categoria: Poesia |
| Postado em: 12.02.14

Sonho Impossível

autoria:

Sonhar
Mais um sonho impossível
Lutar
Quando é fácil ceder
Vencer
O inimigo invencível
Negar
Quando a regra é vender
Sofrer
A tortura implacável
Romper
A incabível prisão
Voar
Num limite improvável
Tocar
O inacessível chão
É minha lei, é minha questão
Virar esse mundo
Cravar esse chão
Não me importa saber
Se é terrível demais
Quantas guerras terei que vencer
Por um pouco de paz
E amanhã, se esse chão que eu beijei
For meu leito e perdão
Vou saber que valeu delirar
E morrer de paixão
E assim, seja lá como for
Vai ter fim a infinita aflição
E o mundo vai ver uma flor
Brotar do impossível chão.

(Chico Buarque [Tradução])



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Categoria: Poesia |
| Postado em: 12.02.14

Sinto vergonha de mim

autoria:

Sinto vergonha de mim por ter sido educador de parte desse povo,
por ter batalhado sempre pela justiça, por compactuar com a honestidade,
por primar pela verdade e por ver este povo já chamado varonil
enveredar pelo caminho da desonra.
Sinto vergonha de mim por ter feito parte de uma era
que lutou pela democracia, pela liberdade de ser
e ter que entregar aos meus filhos, simples e abominavelmente,
a derrota das virtudes pelos vícios, a ausência da sensatez
no julgamento da verdade, a negligência com a família,
célula-mater da sociedade, a demasiada preocupação
com o “eu” feliz a qualquer custo, buscando a tal “felicidade”
em caminhos eivados de desrespeito para com o seu próximo.
Tenho vergonha de mim pela passividade em ouvir,
sem despejar meu verbo, a tantas desculpas ditadas
pelo orgulho e vaidade, a tanta falta de humildade
para reconhecer um erro cometido, a tantos “floreios” para justificar
atos criminosos, a tanta relutância
em esquecer a antiga posição de sempre “contestar”,
voltar atrás e mudar o futuro.
Tenho vergonha de mim, pois, faço parte de um povo que não reconheço,
enveredando por caminhos que não quero percorrer…
Tenho vergonha da minha impotência, da minha falta de garra,
das minhas desilusões e do meu cansaço
Não tenho para onde ir, pois, amo este meu chão,
vibro ao ouvir meu Hino e jamais usei a minha Bandeira
para enxugar o meu suor ou enrolar meu corpo
na pecaminosa manifestação de nacionalidade.
Ao lado da vergonha de mim, tenho tanta pena de ti, povo brasileiro!

(Cleide Canton)



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Categoria: Poesia |
| Postado em: 6.02.14

Janela Sobre o Medo

A fome come o medo.
O medo do silêncio atordoa as ruas.
O medo ameaça:
Se você amar, vai pegar aids.
Se fumar, vai ter câncer.
Se respirar, vai se contaminar.
Se beber, vai ter acidentes.
Se comer, vai ter colesterol.
Se falar, vai perder o emprego.
Se caminhar, vai ter violência.
Se pensar, vai ter angústia.
Se duvidar, vai ter loucura.
Se sentir, vai ter solidão.

(Eduardo Galeano)



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Categoria: Poesia |
| Postado em: 2.02.14

Este é o Prólogo

John Gilbert: Romeo and Juliet, Act I – Prologue, from The Works of Shakespeare

Deixaria neste livro
toda minha alma.
Este livro que viu
as paisagens comigo
e viveu horas santas.

Que compaixão dos livros
que nos enchem as mãos
de rosas e de estrelas
e lentamente passam!

Que tristeza tão funda
é mirar os retábulos
de dores e de penas
que um coração levanta!

Ver passar os espectros
de vidas que se apagam,
ver o homem despido
em Pégaso sem asas.

Ver a vida e a morte,
a síntese do mundo,
que em espaços profundos
se miram e se abraçam.

Um livro de poemas
é o outono morto:
os versos são as folhas
negras em terras brancas,

e a voz que os lê
é o sopro do vento
que lhes mete nos peitos
— entranháveis distâncias. —

O poeta é uma árvore
com frutos de tristeza
e com folhas murchadas
de chorar o que ama.

O poeta é o médium
da Natureza-mãe
que explica sua grandeza
por meio das palavras.

O poeta compreende
todo o incompreensível,
e as coisas que se odeiam,
ele, amigas as chama.

Sabe ele que as veredas
são todas impossíveis
e por isso de noite
vai por elas com calma.

Nos livros seus de versos,
entre rosas de sangue,
vão passando as tristonhas
e eternas caravanas,

que fizeram ao poeta
quando chora nas tardes,
rodeado e cingido
por seus próprios fantasmas.

Poesia, amargura,
mel celeste que mana
de um favo invisível
que as almas fabricam.

Poesia, o impossível
feito possível. Harpa
que tem em vez de cordas
chamas e corações.

Poesia é a vida
que cruzamos com ânsia,
esperando o que leva
nossa barca sem rumo.

Livros doces de versos
são os astros que passam
pelo silêncio mudo
para o reino do Nada,
escrevendo no céu
as estrofes de prata.

Oh! que penas tão fundas
e nunca aliviadas,
as vozes dolorosas
que os poetas cantam!

Deixaria no livro
neste toda a minha alma…

(Federico García Lorca)

Notas:



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Categoria: Poesia |
| Postado em: 26.01.14

Homenagem à Laura

Uma menina e um oceano de contos inacabados, desajeitados e joviais.
Um sorriso e pedaços descabidos de sanidade, escondidos em meio ao seu sorriso
e seu batom vermelho forte,
tão forte quanto sua vontade de alcançar um voo alto e satisfatório.
Caminha sobre pedras e mergulha em águas profundas,
a procura de algo talvez inexistente,
talvez inanimado.
Cresce todos os dias seja com amor,
seja com a dor, e assim desabrochou.

(Virgínia Lane)



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Categoria: Poesia |
| Postado em: 15.01.14

Coexistência do paradoxo

autoria:

Lá fora é bela
Aqui não é nada
Usufrui de paradigma reverso
Rentável e desnaturalizado
Assim digno e obsoleto

Mas isso tudo
Além de ser fruto da imaginação
Trouxe a si a imagem de infrutífera
Ouse dizer o contrário, meu amigo
Unilateral é a resposta

Veemente vê em mente
Obcecada pelo próprio prazer
Cabe a si interpretá-la
E por intrínseca que seja, achar a razão.

(Zamuroide)



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Categoria: Poesia |
Tags:
| Postado em: 14.01.14