Chamado Selvagem
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Foi num sábado, num sábado que despertei. Abri os olhos, acordei olhando para o mais belo céu que admirei ou que sonhei. Despertei no leito 11, da unidade de tratamento intensivo do hospital central. O psicólogo falava comigo sobre o dia e as novidades da semana, mas não percebeu que estava acordada.
Foi num sábado, num sábado que me explicaram que estava internada há dois meses, que estive morta por quatro minutos e que tive muita sorte. Mas eu não conseguia entender o porquê de estar naquele local. A assistente social me disse para não me preocupar, que os custos do hospital estavam sendo pagos pelo seguro, mas isso pouco me importava, eu queria apenas admirar aquele céu mais uma vez.
Foi num sábado, num sábado que saí para um espetáculo de música suburbana, me vesti com um vestido preto em estilo art déco, um “corselet” cinza e vermelho trançado por cima, botas com salto alto, unhas pintadas de azul-marinho, e com uma meia-calça invisível. Era o que eu costumava chamar de estilo déco grunge. Cheguei ao espetáculo com tempo de cumprimentar os conhecidos e apreciar a banda que fazia uma versão mais moderna de All Tomorrow’s Parties do Velvet Underground.
Foi num sábado, num sábado que ele passou por mim e me disse que eu parecia uma fotografia de uma memória feliz. Ele tinha olhos vivos, olhos de natureza morta.
Foi num sábado, num sábado que fui deixada numa caçamba de lixo. Onde perscrutei o abismo da voracidade de viver, de onde podia tocar os sonhos e torna-los realidade. De onde fui arrancada a fórceps da simbiose com a entropia.
Foi num sábado, num sábado que eu fui assassinada…
Foi num sábado, num sábado que eu despertei pela primeira vez e vi o mundo sem o filtro da limitação humana.
Foi num sábado, num sábado que vi olhos de natureza morta…
Foi num sábado…
(Poeta Mórbido)