Chamado Selvagem
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A escuridão tomava o lugar, o cheiro de merda e enxofre entorpecia minha mente. Ouvi o barulho da ninhada de ratos e senti alguém me espreitando. Estava vendado com o rosto inchado por uma turba de monstros. Naquela noite senti um cheiro diferente, uma excrescência nauseante, um cheiro pútrido agridoce que ninguém mais notava.
Senti a faca talhar um pequeno corte diagonal feito com precisão cirúrgica perpassando a derme, os músculos e arranhar o forame do processo xifóide. Ouvi depois o barulho de corrente. Era a vez do gancho. O mesmo foi engatado no corte e fui içado com força. O sangue verteu e lambeu o solo. Ainda assim, neguei-me a responder qualquer pergunta. E a noite continuou a cortar e esfolar. A ninhada de ratos se satisfez devorando as partes arrancadas. A turba não voltaria àquele galpão. Sobrou apenas meu algoz. Concentrei-me para ouvir o chamado. A floresta me clama. O chamado selvagem.
O algoz percebeu os grilhões sendo rompidos. Pegou o gancho e espreitou a escuridão, percebendo que a escuridão espreitou de volta. Agora ele era a presa. Eu era o monstro que estava liberto e furioso. Era um monstro diferente. Ele moveu-se vagarosamente em direção ao portão. Sentia os olhos seguindo seu movimento e o calor da respiração. Perguntou-se porque estava com medo já que suas glândulas estavam mortas há muitos anos. Parou de simular humanidade, não havia vantagem nenhuma em fingir ser um humano. Sentiu ou pensou sentir ânsia de vomito que em ser humano causava-lhe, repugnante, vermes precisando de reis e políticos para guiá-los para além da latrina fétida do qual nasceram. Era a personificação das sombras, então se fundiu a escuridão e preparou as presas…
É a noite que os espíritos são libertos, espectros do caos e da desordem. À noite escapam os traficantes, pedófilos, estupradores e toda escoria da sociedade. Um ambiente propício para sanguessugas, parasitas que vivem da escoria do que chamamos sociedade humana. Esses parasitas estão bem organizados, estão nas mais diferentes áreas do poder, espalhando corrupção, alastrando maldade, corrompendo mentes com livros e filmes fast-food – divertidos, mas nada nutritivos. É na noite que eles se proliferam, as metáfora de sombras que se afastam da luz, a antítese da vida e do devir.
Mas eu sou o caçador e o lobo, sou o chamado selvagem, a força da vida em seu estado mais bruto. Não existirá nada que não possa farejar; nada que possa me fazer recuar, nenhum ômega pode me parar, sou o alfa. Sou o começo que chega após o fim. Então, verme imundo, saiba que a lua sempre está cheia, mesmo que algumas vezes só possamos ver parte dela, mas pode-se escutar seu chamado, o seu chamado selvagem…
(Poeta Mórbido)