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Sinto vergonha de mim

autoria:

Sinto vergonha de mim por ter sido educador de parte desse povo,
por ter batalhado sempre pela justiça, por compactuar com a honestidade,
por primar pela verdade e por ver este povo já chamado varonil
enveredar pelo caminho da desonra.
Sinto vergonha de mim por ter feito parte de uma era
que lutou pela democracia, pela liberdade de ser
e ter que entregar aos meus filhos, simples e abominavelmente,
a derrota das virtudes pelos vícios, a ausência da sensatez
no julgamento da verdade, a negligência com a família,
célula-mater da sociedade, a demasiada preocupação
com o “eu” feliz a qualquer custo, buscando a tal “felicidade”
em caminhos eivados de desrespeito para com o seu próximo.
Tenho vergonha de mim pela passividade em ouvir,
sem despejar meu verbo, a tantas desculpas ditadas
pelo orgulho e vaidade, a tanta falta de humildade
para reconhecer um erro cometido, a tantos “floreios” para justificar
atos criminosos, a tanta relutância
em esquecer a antiga posição de sempre “contestar”,
voltar atrás e mudar o futuro.
Tenho vergonha de mim, pois, faço parte de um povo que não reconheço,
enveredando por caminhos que não quero percorrer…
Tenho vergonha da minha impotência, da minha falta de garra,
das minhas desilusões e do meu cansaço
Não tenho para onde ir, pois, amo este meu chão,
vibro ao ouvir meu Hino e jamais usei a minha Bandeira
para enxugar o meu suor ou enrolar meu corpo
na pecaminosa manifestação de nacionalidade.
Ao lado da vergonha de mim, tenho tanta pena de ti, povo brasileiro!

(Cleide Canton)



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Categoria: Poesia |
| Postado em: 6.02.14

Janela Sobre o Medo

A fome come o medo.
O medo do silêncio atordoa as ruas.
O medo ameaça:
Se você amar, vai pegar aids.
Se fumar, vai ter câncer.
Se respirar, vai se contaminar.
Se beber, vai ter acidentes.
Se comer, vai ter colesterol.
Se falar, vai perder o emprego.
Se caminhar, vai ter violência.
Se pensar, vai ter angústia.
Se duvidar, vai ter loucura.
Se sentir, vai ter solidão.

(Eduardo Galeano)



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Categoria: Poesia |
| Postado em: 2.02.14

Este é o Prólogo

John Gilbert: Romeo and Juliet, Act I – Prologue, from The Works of Shakespeare

Deixaria neste livro
toda minha alma.
Este livro que viu
as paisagens comigo
e viveu horas santas.

Que compaixão dos livros
que nos enchem as mãos
de rosas e de estrelas
e lentamente passam!

Que tristeza tão funda
é mirar os retábulos
de dores e de penas
que um coração levanta!

Ver passar os espectros
de vidas que se apagam,
ver o homem despido
em Pégaso sem asas.

Ver a vida e a morte,
a síntese do mundo,
que em espaços profundos
se miram e se abraçam.

Um livro de poemas
é o outono morto:
os versos são as folhas
negras em terras brancas,

e a voz que os lê
é o sopro do vento
que lhes mete nos peitos
— entranháveis distâncias. —

O poeta é uma árvore
com frutos de tristeza
e com folhas murchadas
de chorar o que ama.

O poeta é o médium
da Natureza-mãe
que explica sua grandeza
por meio das palavras.

O poeta compreende
todo o incompreensível,
e as coisas que se odeiam,
ele, amigas as chama.

Sabe ele que as veredas
são todas impossíveis
e por isso de noite
vai por elas com calma.

Nos livros seus de versos,
entre rosas de sangue,
vão passando as tristonhas
e eternas caravanas,

que fizeram ao poeta
quando chora nas tardes,
rodeado e cingido
por seus próprios fantasmas.

Poesia, amargura,
mel celeste que mana
de um favo invisível
que as almas fabricam.

Poesia, o impossível
feito possível. Harpa
que tem em vez de cordas
chamas e corações.

Poesia é a vida
que cruzamos com ânsia,
esperando o que leva
nossa barca sem rumo.

Livros doces de versos
são os astros que passam
pelo silêncio mudo
para o reino do Nada,
escrevendo no céu
as estrofes de prata.

Oh! que penas tão fundas
e nunca aliviadas,
as vozes dolorosas
que os poetas cantam!

Deixaria no livro
neste toda a minha alma…

(Federico García Lorca)

Notas:



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Categoria: Poesia |
| Postado em: 26.01.14

Homenagem à Laura

Uma menina e um oceano de contos inacabados, desajeitados e joviais.
Um sorriso e pedaços descabidos de sanidade, escondidos em meio ao seu sorriso
e seu batom vermelho forte,
tão forte quanto sua vontade de alcançar um voo alto e satisfatório.
Caminha sobre pedras e mergulha em águas profundas,
a procura de algo talvez inexistente,
talvez inanimado.
Cresce todos os dias seja com amor,
seja com a dor, e assim desabrochou.

(Virgínia Lane)



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Categoria: Poesia |
| Postado em: 15.01.14

Coexistência do paradoxo

autoria:

Lá fora é bela
Aqui não é nada
Usufrui de paradigma reverso
Rentável e desnaturalizado
Assim digno e obsoleto

Mas isso tudo
Além de ser fruto da imaginação
Trouxe a si a imagem de infrutífera
Ouse dizer o contrário, meu amigo
Unilateral é a resposta

Veemente vê em mente
Obcecada pelo próprio prazer
Cabe a si interpretá-la
E por intrínseca que seja, achar a razão.

(Zamuroide)



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Categoria: Poesia |
Tags:
| Postado em: 14.01.14

Ausencia en todo veo

Ausencia en todo veo:
tus ojos la reflejan.

Ausencia en todo escucho:
tu voz a tiempo suena.

Ausencia en todo aspiro:
tu aliento huele a hierba.

Ausencia en todo toco:
tu cuerpo se despuebla.

Ausencia en todo pruebo:
tu boca me destierra.

Ausencia en todo siento:
ausencia, ausencia, ausencia.

(Miguel Hernández)



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Categoria: Poesia |
| Postado em: 11.01.14

Às Vezes

Às vezes fazemos coisas
Que não queremos fazer,
Talvez por existir
Um pingo de esperança
Esperança essa que nem sempre
Nos faz bem
Nos leva para o caminho certo
Às vezes amamos intensamente
Às vezes sonhamos os mais belos sonhos
Às vezes até odiamos
com a mesma intensidade que amamos
Mais o certo é que,
Nem sempre
“Às vezes” dura um só momento
Às vezes os “Às vezes” podem
Durar eternamente!
Nem sempre.

(Federico García Lorca)



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Categoria: Poesia |
| Postado em: 11.01.14

El poeta pide a su amor que le escriba

El poeta pide a su amor que le escriba

Amor de mis entrañas, viva muerte,
en vano espero tu palabra escrita
y pienso, con la flor que se marchita,
que si vivo sin mí quiero perderte.

El aire es inmortal. La piedra inerte
ni conoce la sombra ni la evita.
Corazón interior no necesita
La miel helada que la luna vierte.

Pero yo te sufrí. Rasgué mis venas,
tigre y paloma, sobre tu cintura
en duelo de mordiscos y azucenas.

Llena, pues, de palabra mi locura
o déjame vivir en mi serena
noche dei alma para siempre oscura.

Tradução

O poeta pede a seu amor que escreva-lhe

Amor, que a vida em morte em mim convertes,
espero em vão tua palavra escrita
e, flor a se murchar, meu ser medita
que se vivo sem mim quero perder-te.

É infinito o ar. A pedra inerte
nada sabe da sombra e não a evita.
Íntimo, o coração não necessita
do congelado mel que a lua verte.

Por ti rasguei as veias às dezenas,
tigre e pomba, cobrindo-te a cintura
com luta de mordiscos e açucenas.

Tuas palavras encham-me a loucura
ou deixa-me viver minha serena
e infinda noite da alma, escura, escura.

(Federico García Lorca)



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Categoria: Poesia |
| Postado em: 11.01.14

Extraordinária aventura vivida por Vladimir Maiakovski no verão na datcha

Halo Solar – Porto Velho/ RO – Brasil

(Púchkino, Monte Akula, datcha de Rumiántzev, a 27 verstas pela estrada de ferro de Iaroslávl)

A tarde ardia com cem sóis.
em julho deslizava o verão,
fazia calor,
o calor ardia
assim era na datcha.
A colina de Púchkino acorcundava-se
na montanha de Akulov,
E ao pé da montanha –
havia uma aldeia,
encurvada de tetos de cortiça.
E atrás da aldeia
havia um buraco,
e para esse buraco, com certeza,
todo dia, o mesmo ato:
O sol descia – lento e exato.
E no dia seguinte
de novo
a inundar o mundo
erguia-se o sol escarlate.
Dia após dia
isto começou a irritar-me terrivelmente.
E assim uma vez enfureci-me tanto
que tudo desbotou de medo,
à queima-roupa eu gritei ao sol:
– Desce!
Chega de vadiar nessa fornalha!
E grito ao sol:
– Parasita!
Você, aí, a flanar pelos ares,
e eu,
aqui,
cheio de tinta,
com a cara nos cartazes!
E grito ao sol:
– Espere!
Testa de ouro,
que tal deixar os negócios de lado
e vir tomar um chá comigo?

O que eu inventei! Estou perdido!
Para mim, de boa vontade,
ele mesmo,
abrindo seus largos passos-raios
vem à terra.
Quero não mostrar meu susto
e dou uns passos para trás.
Seus olhos já estão no jardim.
Já está atravessando o jardim.
Pelos postigos, pelas portas,
pelas frestas entrando,
a massa do sol desaba,
irrompe;
reconduzindo o fôlego
disse com voz de baixo:
– Pela primeira vez recolho o fogo,
desde que o mundo foi criado.
Você me chamou?
Manda vir o chá,
poeta, manda vir a geleia!
Lágrimas na ponta dos olhos,
o calor me fazia desvairar,
eu lhe mostro o samovar:
– Pois bem, sente-se, astro!

Quem me mandou berrar ao sol,
insolências sem conta?
Contrafeito,
me sento numa ponta do banco
com medo que a coisa fosse piorar.
Mas uma estranha claridade do sol
emanou – e esquecendo
qualquer solenidade, sento a falar
com o astro calmamente.
Disso, daquilo, falo eu,
de como me cansa a Rosta,
e o Sol:
– Bem, não te aflijas,
olha para as coisas simplesmente!
E eu? Você pensa que brilhar é fácil?
Vamos, experimenta!
Mas quando se começa é preciso prosseguir
e a gente vai e brilha pra valer!
E o sol, por fim:
– Vamos, poeta,
vamos raiar, vamos cantar
no mundo de trastes cinzentos.
Eu, Sol, verterei o que é meu,
e tu, o que é teu, os versos.
Conversamos até a noite ou até o que,
antes,
eram trevas.
Como falar, ali,
de sombras?
Ficamos íntimos, os dois.
Logo, com desassombro,
estou batendo no seu ombro.
O muro das sombras,
prisão das trevas,
desaba sob o obus
dos nossos sóis de duas bocas.
Confusão de poesia e luz,
chamas por toda a parte.
Se o sol se cansa
e a noite lenta
quer ir pra cama,
marmota sonolenta,
eu, de repente,
inflamo a minha flama
e o dia brilha novamente.
Brilhar para sempre,
brilhar como um farol,
brilhar com brilho eterno,
gente é pra brilhar,
que tudo mais vá para o inferno,
este é o meu slogan – e o do Sol!

(Vladimir Maiakovski – 1920)

Notas:

  • Datcha – casa de veraneio.
  • Versta – medida itinerária equivalente a 1,067m.
  • Rosta – A Agência Telegráfica Russa, para a qual Maiakovski executou cartazes satíricos de notícias – as “janelas” Rosta -, de 1919 a 1922.
  • Poema declamado e editado por Rebellious Poetess.
  • Músicas: Som’bra nº 3 e Som’bra nº 2.
  • Compositor: Charles von Dorff.


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Categoria: Poesia |
| Postado em: 6.01.14

A Morte Absoluta

Morrer.

Morrer de corpo e de alma.

Completamente.

Morrer sem deixar o triste despojo da carne,
A exangue máscara de cera,
Cercada de flores,
Que apodrecerão – felizes! – num dia,
Banhada de lágrimas
Nascidas menos da saudade do que do espanto da morte.

Morrer sem deixar porventura uma alma errante…
A caminho do céu?
Mas que céu pode satisfazer teu sonho de céu?
Morrer sem deixar um sulco, um risco, uma sombra,
A lembrança de uma sombra
Em nenhum coração, em nenhum pensamento,
Em nenhuma epiderme.

Morrer tão completamente
Que um dia ao lerem o teu nome num papel
Perguntem: “Quem foi?…”
Morrer mais completamente ainda,
– Sem deixar sequer esse nome.

(Manuel Bandeira)



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Categoria: Poesia |
| Postado em: 31.12.13