Sinto vergonha de mim por ter sido educador de parte desse povo,
por ter batalhado sempre pela justiça, por compactuar com a honestidade,
por primar pela verdade e por ver este povo já chamado varonil
enveredar pelo caminho da desonra.
Sinto vergonha de mim por ter feito parte de uma era
que lutou pela democracia, pela liberdade de ser
e ter que entregar aos meus filhos, simples e abominavelmente,
a derrota das virtudes pelos vícios, a ausência da sensatez
no julgamento da verdade, a negligência com a família,
célula-mater da sociedade, a demasiada preocupação
com o “eu” feliz a qualquer custo, buscando a tal “felicidade”
em caminhos eivados de desrespeito para com o seu próximo.
Tenho vergonha de mim pela passividade em ouvir,
sem despejar meu verbo, a tantas desculpas ditadas
pelo orgulho e vaidade, a tanta falta de humildade
para reconhecer um erro cometido, a tantos “floreios” para justificar
atos criminosos, a tanta relutância
em esquecer a antiga posição de sempre “contestar”,
voltar atrás e mudar o futuro.
Tenho vergonha de mim, pois, faço parte de um povo que não reconheço,
enveredando por caminhos que não quero percorrer…
Tenho vergonha da minha impotência, da minha falta de garra,
das minhas desilusões e do meu cansaço
Não tenho para onde ir, pois, amo este meu chão,
vibro ao ouvir meu Hino e jamais usei a minha Bandeira
para enxugar o meu suor ou enrolar meu corpo
na pecaminosa manifestação de nacionalidade.
Ao lado da vergonha de mim, tenho tanta pena de ti, povo brasileiro!
A fome come o medo.
O medo do silêncio atordoa as ruas.
O medo ameaça:
Se você amar, vai pegar aids.
Se fumar, vai ter câncer.
Se respirar, vai se contaminar.
Se beber, vai ter acidentes.
Se comer, vai ter colesterol.
Se falar, vai perder o emprego.
Se caminhar, vai ter violência.
Se pensar, vai ter angústia.
Se duvidar, vai ter loucura.
Se sentir, vai ter solidão.
Uma menina e um oceano de contos inacabados, desajeitados e joviais.
Um sorriso e pedaços descabidos de sanidade, escondidos em meio ao seu sorriso
e seu batom vermelho forte,
tão forte quanto sua vontade de alcançar um voo alto e satisfatório.
Caminha sobre pedras e mergulha em águas profundas,
a procura de algo talvez inexistente,
talvez inanimado.
Cresce todos os dias seja com amor,
seja com a dor, e assim desabrochou.
Às vezes fazemos coisas
Que não queremos fazer,
Talvez por existir
Um pingo de esperança
Esperança essa que nem sempre
Nos faz bem
Nos leva para o caminho certo
Às vezes amamos intensamente
Às vezes sonhamos os mais belos sonhos
Às vezes até odiamos
com a mesma intensidade que amamos
Mais o certo é que,
Nem sempre
“Às vezes” dura um só momento
Às vezes os “Às vezes” podem
Durar eternamente!
Nem sempre.
Amor de mis entrañas, viva muerte, en vano espero tu palabra escrita y pienso, con la flor que se marchita, que si vivo sin mí quiero perderte.
El aire es inmortal. La piedra inerte ni conoce la sombra ni la evita. Corazón interior no necesita La miel helada que la luna vierte.
Pero yo te sufrí. Rasgué mis venas, tigre y paloma, sobre tu cintura en duelo de mordiscos y azucenas.
Llena, pues, de palabra mi locura o déjame vivir en mi serena noche dei alma para siempre oscura.
Tradução
O poeta pede a seu amor que escreva-lhe
Amor, que a vida em morte em mim convertes,
espero em vão tua palavra escrita
e, flor a se murchar, meu ser medita
que se vivo sem mim quero perder-te.
É infinito o ar. A pedra inerte
nada sabe da sombra e não a evita.
Íntimo, o coração não necessita
do congelado mel que a lua verte.
Por ti rasguei as veias às dezenas,
tigre e pomba, cobrindo-te a cintura
com luta de mordiscos e açucenas.
Tuas palavras encham-me a loucura
ou deixa-me viver minha serena
e infinda noite da alma, escura, escura.
(Púchkino, Monte Akula, datcha de Rumiántzev, a 27 verstas pela estrada de ferro de Iaroslávl)
A tarde ardia com cem sóis.
em julho deslizava o verão,
fazia calor,
o calor ardia
assim era na datcha.
A colina de Púchkino acorcundava-se
na montanha de Akulov,
E ao pé da montanha –
havia uma aldeia,
encurvada de tetos de cortiça.
E atrás da aldeia
havia um buraco,
e para esse buraco, com certeza,
todo dia, o mesmo ato:
O sol descia – lento e exato.
E no dia seguinte
de novo
a inundar o mundo
erguia-se o sol escarlate.
Dia após dia
isto começou a irritar-me terrivelmente.
E assim uma vez enfureci-me tanto
que tudo desbotou de medo,
à queima-roupa eu gritei ao sol:
– Desce!
Chega de vadiar nessa fornalha!
E grito ao sol:
– Parasita!
Você, aí, a flanar pelos ares,
e eu,
aqui,
cheio de tinta,
com a cara nos cartazes!
E grito ao sol:
– Espere!
Testa de ouro,
que tal deixar os negócios de lado
e vir tomar um chá comigo?
O que eu inventei! Estou perdido!
Para mim, de boa vontade,
ele mesmo,
abrindo seus largos passos-raios
vem à terra.
Quero não mostrar meu susto
e dou uns passos para trás.
Seus olhos já estão no jardim.
Já está atravessando o jardim.
Pelos postigos, pelas portas,
pelas frestas entrando,
a massa do sol desaba,
irrompe;
reconduzindo o fôlego
disse com voz de baixo:
– Pela primeira vez recolho o fogo,
desde que o mundo foi criado.
Você me chamou?
Manda vir o chá,
poeta, manda vir a geleia!
Lágrimas na ponta dos olhos,
o calor me fazia desvairar,
eu lhe mostro o samovar:
– Pois bem, sente-se, astro!
Quem me mandou berrar ao sol,
insolências sem conta?
Contrafeito,
me sento numa ponta do banco
com medo que a coisa fosse piorar.
Mas uma estranha claridade do sol
emanou – e esquecendo
qualquer solenidade, sento a falar
com o astro calmamente.
Disso, daquilo, falo eu,
de como me cansa a Rosta,
e o Sol:
– Bem, não te aflijas,
olha para as coisas simplesmente!
E eu? Você pensa que brilhar é fácil?
Vamos, experimenta!
Mas quando se começa é preciso prosseguir
e a gente vai e brilha pra valer!
E o sol, por fim:
– Vamos, poeta,
vamos raiar, vamos cantar
no mundo de trastes cinzentos.
Eu, Sol, verterei o que é meu,
e tu, o que é teu, os versos.
Conversamos até a noite ou até o que,
antes,
eram trevas.
Como falar, ali,
de sombras?
Ficamos íntimos, os dois.
Logo, com desassombro,
estou batendo no seu ombro.
O muro das sombras,
prisão das trevas,
desaba sob o obus
dos nossos sóis de duas bocas.
Confusão de poesia e luz,
chamas por toda a parte.
Se o sol se cansa
e a noite lenta
quer ir pra cama,
marmota sonolenta,
eu, de repente,
inflamo a minha flama
e o dia brilha novamente.
Brilhar para sempre,
brilhar como um farol,
brilhar com brilho eterno,
gente é pra brilhar,
que tudo mais vá para o inferno,
este é o meu slogan – e o do Sol!
(Vladimir Maiakovski – 1920)
Notas:
Datcha – casa de veraneio.
Versta – medida itinerária equivalente a 1,067m.
Rosta – A Agência Telegráfica Russa, para a qual Maiakovski executou cartazes satíricos de notícias – as “janelas” Rosta -, de 1919 a 1922.
Morrer sem deixar o triste despojo da carne,
A exangue máscara de cera,
Cercada de flores,
Que apodrecerão – felizes! – num dia,
Banhada de lágrimas
Nascidas menos da saudade do que do espanto da morte.
Morrer sem deixar porventura uma alma errante…
A caminho do céu?
Mas que céu pode satisfazer teu sonho de céu?
Morrer sem deixar um sulco, um risco, uma sombra,
A lembrança de uma sombra
Em nenhum coração, em nenhum pensamento,
Em nenhuma epiderme.
Morrer tão completamente
Que um dia ao lerem o teu nome num papel
Perguntem: “Quem foi?…”
Morrer mais completamente ainda,
– Sem deixar sequer esse nome.