A Alegria da Escrita

Aonde é que, pela floresta escrita,
esta corça escrita corre?
Rumo à água escrita de uma fonte
cuja superfície há de xerografar seu focinho macio?

Por que ergue a cabeça?
Terá ouvido algo?

Apoiada em quatro delgadas
patas emprestadas à realidade,
ela escuta atenta sob as pontas de meus dedos.

Silêncio esta palavra também
cruza sussurrando a página,
e aparta os ramos
nascidos da palavra “floresta”.

Prontas para o bote, há letras
mal-intencionadas de tocaia,
garras de orações tão subordinadas
que jamais hão de deixar escapar.

Há em cada gota de tinta uma provisão
de caçadores de olhos semi-cerrados por detrás das miras
que estão dispostos a descer a encosta da caneta,
encurralar a corça e apontar-lhe as armas devagar.

Esquecem que o que está
aqui não é a vida.

Aqui, preto no branco, são outras as leis.
Um piscar de olho há de durar quanto eu quiser,
subdividindo-se, se eu assim o desejar, em mínimas eternidades,
cheias de balas sustidas em pleno voo.

Nada que eu não mande há de acontecer.
Sem minha permissão, nenhuma folha há de cair.

Então existe um mundo assim,
sobre o qual exerço um destino independente,
um tempo que enlaço com corrente de signos,
uma existência perene ao meu comando.

A alegria da escrita,
o poder de preservar,
a vingança da mão mortal.

(Wislawa Szymborska)



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Categoria: Poesia |
| Postado em: 3.02.12

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