Bem menos

Lembro,

feito volúpia e tremor:

não precisarás

esquecer-me

no caminho

quando eu

já for

menos que memória.

(Poeta Bastardo)



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Categoria: Poesia |
| Postado em: 16.12.17

Nostalgie

Bem perto de acabar,
mas bem perto mesmo,
onde o ultimo alinhavar
de esperança ainda
desenhará colorido em cartolinas
o dia que não virá,
lembra das tardes que
que as sacolas de plástico
e as pedras do jardim
eram as fontes mais
sinceras de risos,
o futuro era um mito
e o desespero
era só uma palavra
das pessoas grandes.

 (Poeta Bastardo)



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Categoria: Poesia |
| Postado em: 20.04.14

#1

Não há graça
nem rodeios.

Se eu levantasse
a leveza que há
nos sonhos

Indicaria caminhos
novos, dias outros

a manhã desceria mais
calma, a memória
viria mais bela.

Mas não há absurdo
que maltrate sem razão.

Agora é só moldura
Numa casa de alegrias

à venda.



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Categoria: Poesia |
| Postado em: 19.03.14

Quem?

Chorou tanto que
inundou a cidade.

Saiu no jornal.
Comentou a mãe de família…
Foi piada e foi tristeza.

Discussão de bar e mesa.

Fez nadar os secos
porque nada é eco.

Faz lembrar:

Quem que chora?

(Poeta Bastardo)



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Categoria: Poesia |
| Postado em: 19.03.14

Não me basta pensar

Imagem by Naoto Hattori

Não me basta pensar,
Sem estar presente
Nesse aqui agora.
Porque não se deve
Excluir momentos
Que já não nos pertencem
Para esse agora suportar
Toda imensidão que é
Viver e ser alguém
Melhor gradativamente
Sem vaidade e aparência
Sem tratar como coisa qualquer
A experiência – memória – realidade
Para que a inconsciência deixe
Em paz aqueles que não
Sabem o que fazem
E continuam fazendo
Sem se dar conta
Cabe a nós o despertar
De uma consciência ativa
Capaz de mobilizar o ser humano
Chocar os chefes do novo mundo
Que representam os próprios slogans
Exaltando a força
Os conflitos armados
Mas que esse agora
Esteja acessível
Nessa evolução que
Devemos suportar.

(Poeta Bastardo)



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Categoria: Poesia |
| Postado em: 18.03.14

Euphorya

Meu dia foi azul – ela disse.

Agora que tudo já foi engolido, é difícil imaginar coisas vivas desse jeito. Eu percebia que estava mal por começar a escrever bem. Era como um presente. Menos que isso, bem menos, era como um chulo adicional de insalubridade por viver ali, no mundo. Vamos lá, durante essa semana a caneta lhe renderá palavras a mais, sintaxes perfeitas, metáforas brilhantes. Articular vocábulos fantasmagóricos, iludir mocinhas com sonetos refinados sobre a primavera e a bossa nova. Tudo por preço simples: sua vontade de acordar. Aqueles dias eram tão lentos e a época tornava-se tão eufórica. Pela manhã, já não sabia se o mau grado a responder o despertador era só uma indisposição do dia a dia ou realmente era preguiça de viver.

Era tanta coisa ao mesmo tempo. Acho que as pessoas não merecem isso. A cidade era como um órgão doente e inflamado. O país, um grande corpo moribundo. Camadas esverdeadas de pus entravam pela minha janela. O alastrim social adoecia as pessoas mesmo que protegidas dentro de suas casas. Os psicanalistas eram os novos padres. E os antigos padres inventaram a castração. Depois, inventaram a masturbação. E disseram que o mundo não seria o bastante pra gozar. Desenharam um buraco vazio no homem.

Meus rins já se tornavam motores velhos e meus pulmões já eram dois pedaços secos de carniça. O meu ópio legalizado. Qualquer pancada na cabeça valia. Fugir. Pra longe. Parar de tossir papéis com carimbos, protocolos de seções administrativas organizadas em estratificações robóticas. Usar escritos pra lubrificar o que sobrava das engrenagens. Como ser um bom cidadão preparado para o mercado de trabalho sem ser engolido pelos tentáculos do kraken que era o estado? Não, não queriam indivíduos, queriam talheres, ferramentas. E ferramentas não pensam. Noites sem eira nem beira que se misturavam ao cheiro angustiante de rivotril e licores de menta. A vida era um cigarro. E me tragava aos poucos. Como um pacto demoníaco. Um prazer aprendido de baforar almas incertas no ar, em troca de alguns anos a menos. Talvez muitos. Era justo.

Aonde chegamos que ganhar na loteria é um motivo de alegria, um ideal? Bancos diziam pelas ruas: “Realize agora seu sonho de ter um carro próprio com nossos planos!” O sonho humano foi resumido a isso. Ninguém queria carros, mas desejavam camaros e ferraris. Comer um cachorro quente no seu João certamente não era a mesma coisa de comer um Subway, dito saudável, com todos aqueles quadros bem nítidos de legumes e cookies espalhados pelas paredes bem limpas. Por que as atendentes tinham a expressão tão triste? Eu não quero Sky, amigo. Queria uma programação decente e não precisar pagar pra ver algum nível de cultura sair da merda da TV, que não fossem as mesmas marionetes rindo de piadas sem graça e bundas cheias de celulite iludindo algum torcedor de um time inútil, com uma cerveja na mão. Que importa o símbolo? Que importa se a esquerda ou a direita vão dirigir o país se ambos querem o lucro? Foices e martelos e tucanos e letras incontáveis eram a mesma sopa de bernes empapadas de suor humano. Comprar pão antes de ir pra casa. Que até a alma está à venda. As clínicas terapêuticas são a prova concreta de que a humanidade faliu. Nós falhamos. Nós desistimos.

Perdeu-se a capacidade de afetar e ser afetado. É tudo mercadoria. Quando jovem e leitor de Hugo, imaginava que o amor se cultivava. Como margaridas ou os tomates da minha tia Soraya. Que se pusessem as sementes cor de aurora nalguma terra fria e se esperasse entropia fazer a mágica. Otário. Depois, com os ultra-românticos, pensei que era substância. Que se dava a alguém como uma bandeja de brigadeiros depois do almoço. Triste. As flores da primavera murcharam e eu nem percebi. Tanto precisei penar no deserto pra perceber que não estou isolado de nada. E que até folhas e os beijos e os buracos negros amam em mim e empurram-me pra frente, mesmo encarando um mar de corolas ou cadeiras de tortura.

Aquém de mim, e além de mim, eu sou a própria dinâmica. Mas os homens aprenderam a ver só os recortes. Porque seus limites eram a extensão da moldura de seus olhos. Perderam o movimento. E se tudo é movimento, a melhor forma de viver é dançando. Entre a euforia e a despotencialização do corpo, aprendi a não hesitar perante o abismo. O quão absurdo era o “eu te amo”, se ninguém ama nada além do que resto do mundo, das horas e os detalhes do dia permitem. Porque eu só participo de tudo isso. E vejo as coisas passarem como filmes. Um fantasma parado e perpassado pelas coisas que querem ser escritas. Amadas. Subjugadas ao resto que o caos permite eliciar.

Percebo, atento, que o amor é que nem vento. E é preciso deixar chocar no rosto. O resto do planeta corroía em ferrugem enquanto flores nasciam nas crateras do fim do mundo. “Meu dia foi azul” Ela me disse. E eu, que só via em cinzento, demorei pra entender. Porque já tinha sido engolido. Porque entender e descrever as cordas que te prendem, os silícios que te sangram, não eliminam a doença que aflige. Só te mostram o que já está perdido.

(Poeta Bastardo)



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Categoria: Prosa |
| Postado em: 18.11.13

Sobre Mesa

A tarde escurece doce
no calendário.

Sabe, fiquei com uma gravação
onde cantávamos juntos
uma música do Cazuza.

Fiquei também com cartas rasgadas pelo tempo,
empoeiradas de mofo e silêncio.

Estão lá, indiferentes a mim,
guardadas num armário perfumado
de esquecimento.

E você com o que ficou de mim?
O sexo, alguns punhados de maconha,
e minha carteira de cigarros?

Catarros e a marca dos dentes de um leão
que abocanha o seu pescoço.

O que diabos você tem de
diferente das outras?

Por que essa bocas não beijam
e não chupam como a sua?

A tarde escurece amarga
no calendário.

Sobre antigos lençóis
de sonho e de tesão.

Penso nisso enquanto chupo um sorvete,
tão gelado quanto teu coração.

(Poeta Bastardo)



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Categoria: Poesia |
| Postado em: 15.10.13

O tempo

Esses dias.
Passados feito tinta
Que escorre num quadro novo

Descobri, ainda são,
Da amizade mais pura
Mais traiçoeira

Que de tanto dela falar
Não vejo por onde pousa
Ou se pousa: se esconde.

Descobri que
Esse verme branco
Essa virgem cega
É meu amigo incrédulo
Indiferente
Mal-humorado às vezes.

Descobri que esse parceiro mudo
É um amigo relapso.
Certa tarde se senta, nos cumprimenta

Mostra-nos um pé
De Jabuticaba numa
Esquina que andamos todo dia.

E nunca vemos.

Sorri, de soslaio.

E dele a gente se esquece, se conforma.

Até o dia que surge novamente.
Num ponto de ônibus ou numa noite sem estrelas.
No velório de um amor perdido:

Ou de nós mesmos.

(Poeta Bastardo)



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Categoria: Poesia |
| Postado em: 1.07.13

Pluralidade

Surrealismo-Evora

Poema – texto dedicado à ferrugem dos dias

A caneta que tenho em punho veio de algum lugar que não sei. Tem livros aqui do lado da França, da Grécia, Alemanha, China. Creio que a mochila é boliviana. Os artigos das revistas na estante vêm de lugares que ninguém se importa muito. Tem pôsteres de Itália e da Inglaterra. A cama de madeira vem do suor brasileiro. A merda que depositei agora pouco no vaso tem restos de alimentos diversos, da Suíça, Estados Unidos, Inglaterra, creio também. O pão é caseiro, veio daqui mesmo. O vírus que me faz o nariz escorrer agora pode ter vindo de muitos lugares. Minha lixeira tem farelos de biscoitos, cinza de cigarros, plástico industrial e jornal velho com um classificado que li, mas não encontrei apartamentos acessíveis, nem empregos que me aceitem como sou; só hermafroditas e prostitutas trocando sexo por dinheiro. Assim talvez caguem mais pluralidade nos vasos deles. Porcelana de algum outro lugar. Látex de restos de camisinha e sêmen velho. O fogo do meu isqueiro pode ter vindo do comburente de deus ou da puta que pariu mesmo. O lagarto na parede veio da África; descobriram que ele come as aranhas marrons de Curitiba. Muita gente que caga pluralidade e deixa os restos de sêmen no chão estavam morrendo da picada. Ou talvez do capitalismo. Tem madeira em forma de papel perto da porta e tinta que diz uma lista de autores para ler e regras da ABNT pra se seguir. Cortador de unha, clipe de papel, calculadora que meu avô me deu e um copo de vidro ou seria pote de maionese em que bebo a água da torneira. Café e açúcar, o açúcar mesmo que fez os ciclos assim como o café, a borracha, a água e o nitrogênio. Vieram de lugares distantes e de mãos sujas diferentes e vão para o cano de esgoto diferente e para o ratinho lectospirante diferente. E a palavra veio de papeis diversos que li e me esqueci, alguns eu lembro e cito baboseira de outros cagões. O tédio que me levou à caneta pode ter vindo da ferrugem dos dias ou da pobreza das relações sociais. As cinco mil substâncias tóxicas que recheavam meu bastão do câncer vieram de putas e máquinas aleatórias, não sei de onde e agora já acabaram pintando de um marrom-morte a carniça de meu pulmão. O gosto de sono veio dos campos de Morpheu e agora invadem minha noite que vem e volta todo dia até não precisar mais.

(Poeta Bastardo)



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Categoria: Prosa |
| Postado em: 12.03.13

8 quartetos

Tenho um tumor benigno no canto direito da mandíbula
Uma porção de literatura infantojuvenil
47 quilos de república desunida
E um peito vazio de inspiração

Mas espere
Tem tanta guerra interior
Nas esquinas com bares boates
E senhoras que criam seus sobrinhos

Mas espere
A manhã chegou tão vigorosa e vermelha.
Como se não houvesse miséria e espanto; esquina e devaneio
Centelha de vidro

Tem tanto amor não sei de onde neste peito vazio
Neste cardíaco de um só quarto e tanto afeto para um só beijo sem sabor discernível.
Pra um só sorriso que iluminará de beleza e simplicidade
Minhas manhãs cor de jornal de meu futuro turvo e egoísta.

Como estrela
Como tartarugas no infinito azul
Como flor;
Nascida no gelo cortante; veneno e arrepio

Espero e vejo
Não é mais turva a visão da ilusão
É pueril de leveza e fantasia
Que tal beijo sem sabor

Enfeitou de vida e calor
Colar querido
E rancor
Em forma de luz castanha e viva.

(Poeta Bastardo)



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Categoria: Poesia |
| Postado em: 23.12.12