Sobrevivente

Antes que seja tarde demais, antes que meu avião se aproxime demais da queda, preciso explicar meu nome. Tender Branson. Não é exatamente um nome. É mais uma hierarquia. É o mesmo que uma pessoa, numa outra cultura, chamar uma criança de Tenente Smith ou Bispo Jones. Ou Governador Brown. Ou Doutor Moore. Xerife Peterson. Os únicos nomes na cultura do Credo eram os sobrenomes. O sobrenome vinha do marido. O sobrenome era a forma de reivindicar propriedade. O sobrenome era um rótulo. Meu sobrenome é Branson. Meu posto é Tender Branson. É o posto mais baixo.

A assistente social me perguntou uma vez se o sobrenome não era uma forma de endosso ou maldição quando os filhos e filhas eram contratados para trabalhar no mundo aqui fora. Desde os suicídios, as pessoas do mundo aqui fora fazem a mesma imagem sensacionalista da cultura do Credo que meu irmão, Adam, fazia da cultura delas. No mundo lá fora, meu irmão me dizia, as pessoas eram impulsivas como animais e fornicavam na rua. Hoje, as pessoas aqui fora me perguntam se determinados sobrenomes conseguiam preços mais altos. Alguns sobrenomes determinavam contratos de trabalho mais baratos?

Essas pessoas geralmente me perguntam se alguns pais da Igreja do Credo engravidavam as filhas para aumentar o fluxo de capital. Elas perguntam se as crianças da Igreja do Credo que não tinham permissão para casar eram castradas, ou seja, se eu era. Perguntavam se os filhos da Igreja do Credo se masturbavam, copulavam com animais da fazenda ou sodomizavam uns aos outros, ou seja, se eu o fazia. Se eu fazia, se eu era. Estranhos perguntam, na minha cara, se sou virgem. Sei lá. Esqueci. Ou, esse assunto não é da sua conta. Só para constar, meu irmão Adam Branson era mais velho que eu em três minutos e trinta segundos, mas, pelos padrões da Igreja do Credo, a diferença poderia ter sido de anos.

Isso porque a doutrina do Credo não reconhecia os que chegavam em segundo lugar. Em todas as famílias, o primogênito era chamado de Adam, e seria Adam Branson quem herdaria nossa terra na colônia do distrito da igreja. Todos os filhos após Adam eram chamados de Tender. Na família Branson, sou um dos últimos dos oito Tender Bransons que meus pais soltaram no mundo para ser missionários. Todas as filhas, da primeira à última, eram chamadas de Biddy. Os Tenders tomam conta do rebanho. Às Biddies, dêem seus lances. Talvez ambas as palavras sejam gíria, apelidos para nomes mais tradicionais e compridos, mas não sei quais.

Só sei que se os anciãos da igreja escolhessem uma Biddy Branson para se casar com um Adam de outra família, o nome dela, seu posto na verdade, mudaria para Author. Ao se casar com Adam Maxton, Biddy Branson se tornaria Author Maxton. Os pais desse Adam Maxton também eram chamados de Adam e Author Maxton, até que seu filho recém-casado e sua esposa tivessem um filho. Depois disso, você deveria chamar os dois membros mais velhos da família de Elder Maxton. Na maioria dos casais, quando o primogênito tinha seu primeiro filho, a Elder Maxton já estaria morta em razão de ter tido filho após filho após filho. Quase todos os anciãos da igreja eram homens. O homem podia se tornar um ancião da igreja ao trinta e cinco anos de idade, se ele fosse rápido. Não era complicado.

Não era nada comparado com o mundo aqui fora e seu sistema hierárquico de pais, avós, bisavós, tias e tios, sobrinhas e sobrinhos, cada qual com seu próprio nome. Na cultura do Credo, seu nome mostrava a todos a quem você pertencia. Tender ou Biddy. Adam ou Author. Ou Elder. Seu nome determinava como seria sua vida. As pessoas me perguntam se eu tinha raiva por ter perdido o direito a ter propriedades e uma família só porque meu irmão nasceu três minutos e meio na minha frente. Aprendi a responder que sim. É isso que as pessoas no mundo aqui fora querem ouvir. Mas não é verdade. Nunca tive raiva. Seria o mesmo que ficar com raiva de pensar que, se você tivesse nascido com dedos mais compridos, poderia ter sido violinista. É o mesmo que desejar que seus pais fossem mais altos, mais magros, mais fortes, mais felizes. São detalhes do passado sobre os quais você não tem nenhum controle. A verdade é que Adam nasceu primeiro. E talvez Adam me invejasse porque eu iria sair e ver o mundo. Enquanto eu fazia minha mala para ir embora, Adam estava se casando com uma Biddy Gleason que ele mal conhecia.

Era o corpo de anciãos da igreja que fazia os gráficos elaborados de quem se casaria com qual Biddy de qual família para que aqueles chamados no mundo lá fora de “primos” nunca se casassem. A cada geração, quando os Adams começavam a fazer dezessete anos, os anciãos se reuniam para escolher suas esposas o mais distante de suas árvores genealógicas possível. Havia quase quarenta famílias na colônia do distrito da igreja, e a cada geração quase todas as famílias tinham casamentos e festas. Para um Tender ou uma Biddy, a temporada de casamentos era algo que você observava de longe. Se você fosse uma Biddy, podia sonhar que um dia isso poderia acontecer com você. Se você fosse um Tender, você não sonhava.

(Chuck Palahniuk)



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Categoria: Prosa |
| Postado em: 5.09.13

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