O amor nos tempos do Cólera

O mais absurdo da situação é que nunca pareceram tão felizes em público como naqueles anos de infortúnio. Pois na realidade foram os anos de suas vitórias maiores sobre a hostilidade soterrada de um meio que não se resignava a admiti-los como eram: diferentes e inovadores, e portanto, transgressores da ordem tradicional. Contudo, essa tinha sido a parte fácil para Fermina Daza.

A vida mundana, que tantas incertezas lhe trazia antes de conhecê-la, não passava de um sistema de pactos atávicos, de cerimônias banais, de palavras previstas, com o qual se entretinham uns aos outros na sociedade para não se assassinarem. O signo dominante desse paraíso da frivolidade provinciana era o medo do desconhecido. Ela o definira de um modo mais simples: “O problema da vida pública é aprender a dominar o terror, o problema da vida conjugal é aprender a dominar o tédio.”

Tinha feito descoberta de repente com a nitidez de uma revelação no instante em que entrou arrastando a interminável cauda de noiva no vasto salão do Clube Social, rarefeito pelos vapores misturados de tantas flores, o brilho das valsas, o tumulto de homens suarentos e mulheres trêmulas que a olhavam sem saber ainda como iam conjurar aquela ameaça deslumbrante que lhes mandava o mundo exterior. Acabava de fazer vinte e um anos e mal tinha saído de casa para ir ao colégio, mas lhe bastou um olhar circular para compreender que seus adversários não estavam dominados pelo ódio e sim paralisados pelo medo. Em vez de assustá-los, como estava ela assustada, fez a caridade de os ajudar a conhecê-la.

Ninguém foi diferente daquilo que ela queria que fosse, como lhe ocorria com as cidades, que não lhe pareciam melhores nem piores e sim como as construía em seu coração. De Paris, apesar da chuva perpétua, dos lojistas sórdidos e da grosseria homérica dos cocheiros, ela havia de se lembrar sempre como a cidade mais formosa do mundo, não porque na realidade fosse ou deixasse de ser, e sim porque ficara vinculada à saudade de seus anos felizes.

(Gabriel García Márquez)

Notas:

  • Declamado e editado por Laura.
  • Artista: Taylor Davis
  • Música: Game of Thrones theme (violin)


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Categoria: Prosa |
| Postado em: 18.04.14

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