Canto 2

Cantos de Maldoror

Chegada ao fim da rua, voltou-se lentamente, de modo a impedir-me a passagem. Não tive tempo de me esquivar e achei-me cara a cara com ela. Tinha os olhos inchados e vermelhos. Era fácil ver que me queria falar e que não sabia como consegui-lo. Tornou-se de repente pálida como um cadáver e perguntou-me: “- Podia fazer o favor de me dizer as horas?”. Disse-lhe que não usava relógio e afastei-me rapidamente. Desde esse dia, ó criança de imaginação inquieta e precoce, nunca mais voltaste a ver na rua estreita aquela jovem misteriosa que pisava penosamente com pesadas sandálias o chão dos tortuosos cruzamentos. Não tornará a luzir a aparição deste cometa em chamas, como um triste motivo de fanática curiosidade, sobre a fachada da tua imaginação iludida; e pensarás muitas vezes, demasiadas vezes, e talvez sempre, naquela que não parecia inquietar-se nem com os males nem com os bens da vida presente, e ia andando ao acaso, com um rosto horrivelmente morto, de cabelo eriçado, passo vacilante e braços nadando cegamente nas águas irônicas do éter, como que a procurar nelas a presa ensanguentada da esperança, constantemente sacudida através das imensas regiões do espaço pelo implacável limpa-neve da fatalidade. Não me tornarás a ver e eu não te verei mais!… Quem sabe?

(Conde de Lautréamont)

 



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Categoria: Prosa |
| Postado em: 8.08.12

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